sexta-feira, 11 de março de 2011

“DOUTOR” NÃO É FORMA DE TRATAMENTO; “VOCÊ” NÃO É PRONOME DEPRECIATIVO.

“Doutor” não é forma de tratamento; “você” não é pronome depreciativo.

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
COMARCA DE NITERÓI – NONA VARA CÍVEL
Processo n° 2005.002.003424-4
S E N T E N Ç A
Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de “senhor”.

Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de “Doutor”, “senhor” “Doutora”, “senhora”, sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos.
(…)

DECIDO.
“O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter.” (Noberto Bobbio, in “A Era dos Direitos”, Editora Campus, pg. 15).

Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito.. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.

Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida “Doutor” não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de “doutor”, sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa – para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa de homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame.

Por outro lado, vale lembrar que “professor” e “mestre” são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado. Embora a expressão “senhor” confira a desejada formalidade às comunicações- não é pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir.

O empregado que se refere ao autor por “você”, pode estar sendo cortês, posto que “você” não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social.

O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe “semi-culta”, que sequer se importa com isso.

Na verdade “você” é variante – contração da alocução – do tratamentorespeitoso “Vossa Mercê”. A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome “você”, devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de “seu” ou “dona”, e isso é tratamento formal.

Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/ a senhora e você quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente. Na edição promovida por Jorge Amado “Crônica de Viver Baiano Seiscentista”, nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que “você” é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999).

Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de “você” e “senhor” traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais.

Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta,cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade.

Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa. P.R.I.

Niterói, 2 de maio de 2005.

ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
Juiz de Direito

DANO MORAL - Novos aspectos para sua quantificação.

17 de janeiro de 2011
COMPANHIA ESTADUAL DE GÁS; MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS; MAJORAÇÃO DO DANO MORAL; PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. COMPANHIA DISTRIBUIDORA DE GÁS. PRETENSÃO DE DENUNCIAÇÃO À LIDE AO CONDOMÍNIO. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO RETIDO. MAU ATENDIMENTO QUE NÃO PODE FICAR IMPUNE. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE MERECE ELEVAÇÃO NAS CIRCUNSTÂNCIAS. RECURSOS - AGRAVO RETIDO E SEGUNDA APELAÇÃO AOS QUAIS SE NEGA SEGUIMENTO AO ABRIGO DO ART. 557, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRIMEIRO APELO PROVIDO PARCIALMENTE - ART. 557, § 1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
I - "Tema que amplie a controvérsia inicial ou demande outras provas não pode ser embutido no processo", proclama o colendo Superior Tribunal de Justiça. Portanto, quer por se tratar de procedimento sumário, quer estejamos diante de relação consumerista, descabe a intervenção de terceiro;
II - Não se pode denominar de "mero aborrecimento" a situação da consumidora que, embora esteja cumprindo exemplarmente suas obrigações se veja, por quase três anos, desprovida daquilo que seria obrigação legal da ré: fornecer o gás cuja obrigação contratualmente assumiu perante o Poder Público;
III - Deve o fornecedor de serviço responder, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, impondo-se banir "da cultura nacional a ideia de que ser mal atendido faz parte dos aborrecimentos triviais do cidadão comum, principalmente quando tal comportamento provém das entidades administrativas";
IV - Quanto ao valor indenizatório, na expressão do insigne Ministro LUIZ FUX, REsp 427.560/TO, DJ de 30.09.2002, "a fixação dos danos morais deve obedecer aos critérios da solidariedade e exemplaridade, que implica na valoração da proporcionalidade do quantum e na capacidade econômica o sucumbente" e parafraseando o ilustre magistrado Dr. WERSON REGO, "nestas horas, o que me traz algum conforto, mínimo que seja, é a esperança de que ainda podemos mudar esse quadro deprimente. Mas, enquanto ficarmos preocupados em 'não enriquecer indevidamente' A VÍTIMA, O OFENDIDO, continuaremos a não punir o AGRESSOR, O OFENSOR. Situações como a descrita entre outras que já caracterizam desrespeito à própria autoridade do Poder Judiciário e à eficácia de seus pronunciamentos judiciais (sim, já que, no caso dos litigantes habituais, portentosos economicamente, são centenas ou milhares de decisões condenando certas práticas, sem qualquer reflexo no comportamento dessas entidades, senão deboche e desdém, nunca ajuste) - só serão evitadas e/ou minimizadas quando todo o proveito econômico obtido com o comportamento ilícito for retirado do ofensor".
Precedente Citados: STJ RESP 182754/RJ, Rel.Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 04/03/2004 e RESP 673258/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 28/06/2006. TJRJ AC 0012323-88.2007.8.19.0001, Rel. Des. Fernando Fernandy Fernandes, julgado em 31/05/2010.
0243902-36.2008.8.19.0001 - APELACAO CIVEL CAPITAL - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL - Unanime DES. ADEMIR PIMENTEL - Julg: 22/09/2010
Decisão Monocrática: 22/09/2010
Íntegra do Acórdão - Data de Julgamento: 24/11/2010